Para desbloquear o verdadeiro potencial da Indústria 4.0, é preciso coragem para investir
Entrevista a Tiago Barreto, Industry & Utilities Director da Claranet Portugal, no Jornal Económico
A transformação digital e energética está a redesenhar osetor industrial em Portugal, com impacto direto na competitividade, sustentabilidade e gestão de recursos. Achave está em agir com visão estratégica, coragem para investir e foco no crescimento sustentável.
Como é que a transição energética está a transformar o setor industrial em Portugal? Quais os riscos, oportunidades e necessidades de adaptação?
A transição energética está a acelerar, consolidando Portugal como um exemplo europeu na adoção de energias limpas. Em 2024, 71% do consumo de eletricidade do país foi garantido por fontes renováveis, e em 2025 esse valor aumentou para 79,3%, refletindo um modelo energético mais sustentável, apoiado por condições naturais favoráveis e uma crescente consciência ambiental empresarial.
Essa transformação promove maior estabilidade energética, menor dependência de importações e uma indústria mais eficiente, circular e resistente, que investe em tecnologias digitais, automatização e diversificação das fontes renováveis, alinhando-se também com metas do Pacto Ecológico Europeu.
Mas o elevado custo da energia continua a ser um desafio que impacta a competitividade da indústria portuguesa num contexto de elevada competitividade global.
Como é que tecnologias como Cloud, Analytics e Automação podem tornar a cadeia de valor mais sustentável?
A transformação digital na indústria, impulsionada pelas tecnologias da Indústria 4.0, representa uma mudança estratégica fundamental rumo à sustentabilidade. Soluções como IoT, Data Analytics, Inteligência Artificial, Robótica Avançada, Cloud e Edge Computing aumentam a eficiência, reduzem custos e minimizam o uso de recursos naturais e emissões de gases de efeito estufa ao aprimorar a monitorização, a automação e a tomada de decisões em tempo real.
De facto, possibilitam a gestão inteligente das cadeias de valor, promovendo menos desperdício, maior rastreabilidade e conformidade regulatória, consolidando uma produção mais limpa e responsável.
Ou seja, a transformação não se limita a avanços tecnológicos, mas representa uma oportunidade concreta para que as organizações liderem a transição rumo a um modelo económico mais resiliente, sustentável e competitivo, onde o futuro é inevitavelmente “verde”.
O que ainda dificulta a digitalização sustentável nas empresas industriais?
A Indústria 4.0 oferece enorme potencial para a produção, consumo e gestão de recursos, promovendo redução de desperdício, eficiência energética e rastreabilidade ambiental. No entanto, a digitalização sustentável ainda é uma realidade distante para muitas empresas devido a uma combinação de fatores culturais, financeiros, técnicos e estratégicos, como a falta de competências híbridas, infraestruturas obsoletas, altos custos e dificuldades na integração de objetivos ambientais às iniciativas digitais.
Além disso, barreiras como a gestão desalinhada entre áreas de tecnologia e operação, preocupações com cibersegurança e a ausência de metas ESG integradas comprometem a eficácia da transformação. Para desbloquear o verdadeiro potencial da Indústria 4.0, é preciso coragem para investir, inovação na gestão e um compromisso firme com a responsabilidade ambiental, fazendo da transformação digital uma alavanca para crescimento sustentável e competitivo.
Que tecnologias emergentes vão ter mais impacto na eficiência energética e gestão de recursos?
A transição energética é uma prioridade estratégica para a indústria, impulsionada por uma vasta gama de tecnologias emergentes que prometem aumentar a eficiência, reduzir o consumo energético e promover a descarbonização. Inteligência Artificial e Machine Learning otimizam o uso de recursos em tempo real, enquanto o IoT combinado com Edge Computing possibilita decisões instantâneas ao monitorizar ativos industriais.
Plataformas de gestão de energia (EMS) oferecem visibilidade total e controle automatizado do consumo, e tecnologias de armazenamento de energia garantem maior flexibilidade e independência energética ao equilibrar produção renovável e demanda, estabilizando a rede industrial.
Estas tecnologias aumentam a produtividade, diminuem perdas e fortalecem a competitividade global, demonstrando que a eficiência energética do futuro estará diretamente relacionada à maturidade digital e ao compromisso climático das organizações. A verdadeira transformação reside na sinergia entre inovação tecnológica, cultura de mudança e objetivos sustentáveis.
Conciliar competitividade, crescimento e compromisso com as metas climáticas é um desafio para a indústria. Que visão estratégica defende para que se possa avançar de forma sustentável?
Conciliar a competitividade económica, o crescimento sustentável e o compromisso com as metas climáticas é um dos principais desafios estratégicos para a indústria. Para isso, é necessário adotar uma visão integrada baseada em cinco pilares essenciais: promover energia limpa acessível, impulsionar a digitalização sustentável, desenvolver uma indústria verde competitiva, aproveitar eficazmente os fundos europeus para modernização e reconversão, e criar um ambiente regulatório favorável às empresas, especialmente às PME.
Portugal já se destaca internacionalmente em índices de sustentabilidade, o que reforça o potencial de liderar a reindustrialização verde na Europa. Com recursos naturais abundantes, localização estratégica, segurança, mão de obra qualificada e estabilidade institucional, o país tem uma oportunidade única de transformar a transição climática em vantagem competitiva, estabelecendo um ambiente que favoreça investimento sustentável e inovação verde.
Para isso, é urgente alinhar políticas públicas, investimento privado e inovação industrial num objetivo comum: construir uma indústria mais sustentável, resiliente e competitiva para o século XXI.
Entrevista publicada originalmente in Jornal Económico
